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MARCO HISTÓRICO, FILOSÓFICO E TEÓRICO.
Nos três tópicos que se seguem,
empreende-se o esforço de reconstituir, de maneira objetiva, trajetória percorrida pelo direito
constitucional nas últimas décadas, na Europa e no Brasil, levando em conta
três marcos fundamentais: o John Kenneth Galbraith, A era da incerteza, 1984.
Histórico, o teórico e o filosófico. Neles estão contidas as idéias e as
mudanças de paradigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudência nesse
período, criando uma nova percepção da Constituição e de seu papel na
interpretação jurídica em geral.
I. Marco histórico
O marco histórico do novo direito
constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra,
especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e
o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. A seguir, breve
exposição sobre cada um desses processos.
A reconstitucionalização da
Europa, imediatamente após a. Grande Guerra e ao longo da segunda metade do
século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito
constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das idéias
de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização
política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado
constitucional de direito, Estado constitucional democrático. Seria mau
investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas na
matéria.
A principal referência no
desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn
(Constituição alemã), de 1949, e,especialmente, a criação do Tribunal
Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda
produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do
direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano germânica. A segunda
referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subseqüente
instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70.
A Constituição alemã, promulgada
em 1949, tem a designação originária de “Lei Fundamental”, que sublinhava seu
caráter provisório, concebida que foi para uma fase de transição. A
Constituição definitiva só deveria ser ratificada depois que o país recuperasse
a unidade. Em 31 de agosto de 1990 foi assinado o Tratado de Unificação, que
regulou a adesão da República Democrática Alemã (RDA) à República Federal da
Alemanha (RFA). Após a unificação não foi promulgada nova.
Constituição. Desde o dia 3 de
outubro de 1990 a Lei Fundamental vigora em toda a Alemanha. A redemocratização
e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram
valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.
No caso brasileiro, o
renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de
reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação,
elaboração e promulgação da Constituição de 1988.
Sem embargo de vicissitudes de
maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada
ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem
sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário,
intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito. Mais
que isso: a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade
institucional da história republicana do país. E não foram tempos banais. Ao
longo da sua vigência, destituiu-se por impeachment um Presidente da República,
houve um grave escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos
Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da
República, foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores,
surgiram denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento eleitoral e
de vantagens para parlamentares, em meio a outros episódios. Em nenhum desses
eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse o respeito à
legalidade constitucional. Nessa matéria, percorremos em pouco tempo todos os
ciclos do atraso.
Sob a Constituição de 1988, o
direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de
uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a
capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas
para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo
que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e
sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu
texto. É um grande progresso. Superamos a crônica V. Luis Roberto Barroso, Doze
anos da Constituição brasileira de 1988: uma breve e acidentada história de
sucesso. In: Temas de direito constitucional, t. I, 2002. Indiferença que,
historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a
indiferença, não o ódio, o contrário do amor.
II. Marco filosófico
O marco filosófico do novo
direito constitucional é o póspositivismo. O debate acerca de sua
caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento
que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jus naturalismo e o
positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra
atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação– dos modelos puros
por um conjunto difuso e abrangente de idéias, agrupadas sob o rótulo genérico
de pós-positivismo. O jus naturalismo moderno, desenvolvido a partir do século
XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito.
Fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos, foi o
combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as Constituições
escritas e as codificações. Considerado metafísico e anti-científico, o direito
natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo
jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o
positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões
como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade
do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo
na Itália e do nazismo na.
Alemanha, regimes que promoveram
a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da. Guerra, a ética e os
valores começam a retornar ao Direito. Autores pioneiros nesse debate foram:
John Rawls, A theory of justice, 1980; Ronald Dworkin, Taking rights seriously,
1977; Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1993.
Para um estudo mais aprofundado
do tema, com referências bibliográficas, v. Luís Roberto Barroso, Fundamentos
teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In: Temas de
Direito Constitucional. A superação histórica do jus naturalismo e o fracasso
político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda
inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação.
O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o
direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem
recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento
jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem
comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto
de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção
incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas
relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o
desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o
fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação
entre o Direito e a filosofia
III. Marco teórico
No plano teórico, três grandes
transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à
aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à
Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento
de uma nova dogmática da interpretação constitucional. A seguir, a análise
sucinta de cada uma delas.
1. A força normativa da
Constituição. V. Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional,
financeiro e tributário: Valores e princípios constitucionais tributários,
2005, p. 41: “De uns trinta anos para cá assiste-se ao retorno aos valores como
caminho para a superação dos positivismos. A partir do que se convencionou
chamar de ‘virada kantiana’ (kantische Wende), isto é, a volta à influência da
filosofia de Kant, deu-se a reaproximação entre ética e direito, com a
fundamentação moral dos direitos humanos e com a busca da justiça fundada no
imperativo categórico. O livro A Theory of Justice de John Rawls, publicado em
1971, constitui a certidão do renascimento dessas idéias”. Uma das grandes
mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma
constitucional do status de norma jurídica.
Superou-se, assim, o modelo que
vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era
vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos
Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invariavelmente
condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade
do administrador. Ao Judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na
realização do conteúdo da Constituição. Com a reconstitucionalização que
sobreveio à. Guerra Mundial, este quadro começou a ser alterado. Inicialmente
na Alemanha e, com maior retardo, na Itália . E, bem mais à frente, em Portugal
e na Espanha. Atualmente, passou a ser premissa do estudo da Constituição o
reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de
suas disposições. Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de
imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua
inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento
forçado. A propósito, cabe registrar que o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial
na matéria não eliminou as tensões inevitáveis que se formam entre as pretensões
de normatividade do constituinte, de um lado, e, de outro lado, as circunstâncias
da realidade fática e as eventuais resistências do status quo.
O debate acerca da força
normativa da Constituição só chegou ao Brasil, de maneira consistente, ao longo
da década de 80, tendo enfrentado as. Trabalho seminal nessa matéria é o de
Konrad Hesse, La fuerza normativa de la Constitución. In:
Escritos de derecho
constitucional, 1983. O texto, no original alemão, correspondente à sua aula inaugural
na cátedra da Universidade de Freiburg, é de 1959. Há uma versão em língua
portuguesa:
A força normativa da
Constituição, 1991, trad. Gilmar Ferreira Mendes. V. Ricardo Guastini, La
“constitucionalización” del ordenamiento jurídico. In: Miguel Carbonnel, Neoconstitucionalismo(s),
2003. V. J.J.Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Fundamentos da Constituição, 1991, p. 43 e ss. Sobre a questão em
perspectiva geral e sobre o caso específico espanhol, vejam-se, respectivamente,
dois trabalhos preciosos de Eduardo García de Enterría: La Constitución como norma
y el Tribunal Constitucional, 1991; e La constitución española de 1978 como
pacto social como norma jurídica, 2003.
Resistências previsíveis. Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer
ordem jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo
e à insinceridade constitucional. Não é surpresa, portanto, que as. Constituições
tivessem sido, até então, repositórios de promessas vagas e de exortações ao
legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata.
Coube à Constituição de 1988, bem
como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua
promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada.
CAJAZEIRAS-PB EM 01/03/2012
BOA APRENDIZAGEM
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